VOTO FEMININO

O que as pesquisas dizem sobre o voto feminino, e como convencer mulheres a votar.

Em 2022, 33 milhões de mulheres abriram mão do direito do voto 

Um levantamento do movimento Elas que Decidem feito em 2022 concluiu que 33 milhões de mulheres (o que em 2018 representava mais de 40% do eleitorado feminino) abriram mão do direito do voto. Uma atitude que revela muito mais do que escolhas: é o resultado da descrença no sistema eleitoral, da falta de identificação com candidatas e candidatos dos diversos partidos, e também dos efeitos de um sistema que mantém desigualdades de gênero – que se manifesta na prática de diversas formas, desde a desigualdade salarial até na reprodução de ideias machistas por toda parte, inclusive em debates políticos.

Um dos grupos mais determinantes durante as eleições…

Por outro lado, além de as mulheres serem a maioria da população, os números nos revelam que elas também são maioria entre eleitores em boa parte das cidades – e, o mais importante, um dos grupos mais determinantes durante as eleições.

Isso porque, além de ser o grupo numericamente mais expressivo, é também o menos decidido no voto: na projeção entre as 43% de mulheres que deixaram de escolher em quem votar, este não-voto tornou-se realidade para 27,9% delas: em 2018, 3 a cada 10 mulheres passaram pelas urnas votando branco ou nulo, ou mesmo deixando de votar. Ou seja: possivelmente alguma mulher que você conhece está abrindo mão do direito ao voto.

As outras 15% de eleitoras que não escolheram em quem votar também merecem atenção. Essa projeção indica que milhões de mulheres estão, sim, dando voto a alguém na frente da urna – mas esse candidato não foi escolhido por ela.

O levantamento do Elas que Decidem indica que valores como a família, a coletividade, a esperança e a justiça são os que mais mobilizam as mulheres, inclusive na política. Estatisticamente, esse é um grupo mais mobilizado por questões concretas, como o custo de vida, o serviço público e a noção de que, quando agimos coletivamente, conseguimos construir um mundo melhor para todo mundo.

Isso nos ajuda a compreender, por um lado, por que elas votam em candidatos que não escolheram individualmente (estimuladas por pessoas próximas e de confiança, como cônjuges, membros da família, amigos ou lideranças religiosas). E, de outro, por que muitas delas simplesmente renunciam ao próprio voto (a esperança é a última que morre, mas não é imortal, e a falta de mudanças, oportunidades e perspectivas acaba desestimulando muitas mulheres a optar por algum nome nas urnas.

O gênero na disputa de voto

Da mesma forma que pesquisas mapeiam os interesses e prioridades das mulheres na hora do voto, um levantamento da Contente.vc apresentou os valores e temas que mobilizam os homens na disputa política: a identificação pessoal, a imagem de liderança e temas como o empreendedorismo, a religiosidade e a “tolerância zero” com a criminalidade e a violência urbana são fortes mobilizadores.

Nos programas de governo, prevalece a cultura de que os problemas e desafios priorizados pelos homens são os problemas gerais das cidades, e de que as questões que mobilizam o eleitorado feminino são “questões de mulher”, como se se tratasse de um grupo específico, e não da maioria do eleitorado. Tanto que temas como saúde da mulher, igualdade salarial ou garantia de direitos reprodutivos desaparecem dos planos eleitorais. Temos uma maioria de projetos de governo e campanhas divulgados, majoritariamente, por candidatos homens, com estratégias eleitorais criadas por homens, mirando o público masculino como se fosse um público universal. A consequência é o desestímulo à participação mais ativa no processo eleitoral. Outro efeito colateral da baixa participação das mulheres nas eleições é o silenciamento ou o enfraquecimento de ideais e visões importantes para o país e a democracia.

Pesquisas apontam que as mulheres são o único grupo da população onde o progressismo supera o conservadorismo no Brasil. E até mesmo mulheres ideologicamente mais conservadoras se preocupam com o custo de vida, a desigualdade social e de oportunidades, e a disponibilidade dos serviços públicos – temas cuja eficiência melhora com o fortalecimento da democracia e das instituições.

Ou seja, convencer mulheres a participarem, se engajarem e defenderem suas ideias durante as eleições é importante não só para que elas exerçam plenamente seu direito individual ao voto, mas também para a defesa da nossa sociedade e para o fortalecimento de ideais e projetos progressistas para as cidades e o país.

Como falar sobre voto – e voto progressista – com as mulheres

Se você acompanha programas eleitorais e campanhas políticas, já deve ter percebido que, para atrair o voto das mulheres, não basta apenas fazer um vídeo diferenciado, mudar as cores da campanha política ou entregar buquês de flores no dia das mulheres. Nos grupos focais e pesquisas qualitativas, esse grupo aparece bastante interessado, crítico e atento a propostas, projetos e realizações.

De acordo com uma pesquisa do W.LAB com o Instituto Locomotiva, a PiniOn e a Ideia, as mulheres sabem o que querem de seus representantes, mesmo que não escolham candidatos. A maioria delas prioriza pessoas experientes e escolhem seus votos através das propostas de candidatos e candidatas. A maior parte delas também concorda que são mais prejudicadas pela má qualidade dos serviços públicos, desejam maior representatividade de gênero em todas as esferas de governo e querem mais prefeitas em todo o país. No entanto, elas não parecem dispostas a votar em mulheres apenas pela representatividade, e ainda vão priorizar qualidade e propostas das candidaturas na hora de votar.

Convencê-las ao voto, portanto, é bem mais desafiador do que simplesmente repetir frases prontas ou motes de campanha

Algumas dicas e cuidados práticos para se ter na hora de falar ou disputar o voto das mulheres da sua cidade:

1. NÃO FORCE A BARRA:

Ainda que sejam mais propensas a ideias progressistas, especialmente entre os grupos mais jovens, muitas mulheres rejeitam a ideia de que estão sendo forçadas ou pressionadas a escolher por um ou outro candidato. Falar de propostas ou temas concretos para conscientizar da importância do voto é mais eficiente do que impor uma candidatura específica.

3. VOTO FEMININO ≠ VOTO FEMINISTA:

Mesmo compartilhando de alguns ideais progressistas, muitas mulheres rejeitam propostas ou discursos feministas. Isso não quer dizer que não estejam preocupadas com tópicos como a saúde feminina, igualdade salarial ou a violência contra a mulher. Entender os assuntos que elas já apoiam é um excelente ponto de partida para a conversa.

2. NÃO COMECE DO ZERO:

Estar indecisa ou propensa a se abster do voto não significa desconhecer os problemas concretos. Mulheres vivem e tendem a conhecer os desafios da cidade mais até do que os homens, e também estão conscientes dos candidatos e até de projetos que defendem. Apontar situações do dia a dia pode ser um caminho mais simples para o diálogo.

4. “FAMILIAR” NÃO É “FAMILÍA”:

Muitas mulheres valorizam a familiaridade na hora de tomar suas decisões políticas, o que não significa que elas apoiem automaticamente o que seus parentes apoiam. Mas sim que elas pensam primeiro na família, nos amigos próximos e nas pessoas que elas conhecem e amam.

5. MULHER NÃO VOTA SÓ EM MULHER:

A representatividade feminina é um tema importante e sensível, mas que não pode ser debatido de qualquer jeito. Eleger mulheres é importante, mas o critério para essa escolha ainda devem ser as propostas e os problemas da cidade. A experiência e o preparo para o cargo é um fator importante e valorizado; mulheres querem ser representadas por outras mulheres que estão prontas para o desafio. 

6. O VOTO É UM DIREITO SECRETO, INDIVIDUAL E INALIENÁVEL:

Num contexto de persistência da violência contra a mulher e da cultura patriarcal, muitas ainda se sentem pressionadas (e até obrigadas) a votar nos candidatos de seus maridos, de seus pais ou de figuras de influência, como pastores ou patrões. Essa é a hora de lembrar e reforçar que, na urna, a decisão é individual. É importante mostrar que a mulher pode, e deve, votar conforme a sua consciência, sem consequências por isso.

7. QUALQUER ASSUNTO É ASSUNTO DE MULHER:

Além das pautas “de gênero”, as mulheres também vivem e participam das cidades. Também se importam com temas como segurança, mobilidade e saúde, e não querem se sentir excluídas desses debates.