
BOLSONARO NO STF
Quem assistiu à TV, leu os jornais ou mesmo abriu as redes sociais nas últimas 24 horas, com certeza já sabe: por unanimidade, Jair Bolsonaro e 7 aliados se tornaram oficialmente réus pelo STF. Isso não significa que a condenação de Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado, é certa (mas, pela análise das evidências, é bastante provável).
Na verdade, o que a primeira turma do STF deliberou é que a denúncia apresentada há algumas semanas pela PGR (e que foi montada a partir da investigação da Polícia Federal, no fim do ano passado) foi conduzida corretamente, e eles têm elementos suficientes para julgar o caso. Mesmo assim, sem surpresa, Bolsonaro os principais atores do movimento que o apoia seguem levantando questionamentos e fazendo ataques ao STF. O Tribunal precisou reagir, mostrando como Bolsonaro tem direito ao processo legal e à ampla defesa, e desenhando em detalhes os elementos que o vinculam ao(s) plano(s) de tomar o poder à força, principalmente após a derrota de 2022.
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O que está
acontecendo:
Um guia para quem quer entender exatamente porque Bolsonaro está sendo julgado e porque são graves os crimes dos quais está sendo acusado
A primeira coisa quando falamos sobre a tentativa de golpe de Estado, é que não se trata apenas de 8 de janeiro de 2023: o caminho até o golpe começa, pelo menos, em 2021. É quando Bolsonaro, já como presidente e em meio à pandemia, começa a desacreditar o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Desde lá, a narrativa que o presidente armou é que, se não vencesse as eleições de 2022, essa seria uma prova de que as eleições são fraudadas.
Não é só o presidente da República era pessoalmente contrário ao sistema eleitoral (o mesmo, aliás, que o elegeu várias vezes nos últimos 30 anos). Ele usou do seu cargo e dos meios disponíveis para atacar esse sistema e buscar provas de que as urnas "não funcionavam", ou eram fraudáveis. Ou seja: ele se valeu de recursos financeiros do Estado para desacreditar o próprio Estado. Esses ataques sistemáticos ficaram claros em em episódios como o ato de 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro anunciou que não seguiria mais as "ordens" de Alexandre de Moraes, incitando sua militância a fazer o mesmo e tornando-o inimigo número 1 do Brasil, seguido pelos seus outros 10 colegas vilões superpoderosos da liga da injustiça simbolizada pelo STF. O ápice veio vésperas da eleição, quando Bolsonaro convocou uma reunião oficial com embaixadores de vários países para lançar uma série de mentiras sobre as urnas eletrônicas (episódio que, aliás, o conferiu o "status" de inelegível por 8 anos).
A peça de investigação mostra uma trajetória clara: os planos golpistas se tornavam mais fortes e estruturados quanto mais claras ficavam as chances de derrota do Jair em 2022. São milhares de trocas de mensagens, planos e minutas de golpe impressos e detalhados, repasses de dinheiro e até um esquema de roubo de joias, com direito a reflexo do pai de Mauro Cid em um dos artefatos roubados. Um plano de golpe de Estado não é feito só com tropas armadas, invasões e violência, como o que foi organizado pelos "kids pretos". Ele pode ser tramado pela tentativa de desacreditar o sistema eleitoral (como a campanha contra as urnas eletrônicas), por uma revolta civil (como o 8 de janeiro) e até por uma tentativa de usar as polícias para tumultuar eleições (como aconteceu com a Polícia Rodivária Federal no dia da eleição de 2022). A tentativa golpista na qual Bolsonaro está envolvido teve vários braços, fases e estratégias ao longo desses anos. E, a julgar pelas centenas de presos pelo 8 de janeiro e que recusaram um acordo com o STF, não está tão no passado assim.
É nesse contexto que outras prisões já foram decretadas e outros processos já avançaram. E é por isso que as narrativas da direita, de que os processados pelo 8 de janeiro, "são senhoras armadas de batom", cumprindo pena por "pintar estátuas", não se sustentam.
Primeiro, que o que aconteceu em Brasília naquele domingo não tem nada de intervenção artística: várias imagens mostram a invasão dos prédios públicos, a quebradeira generalizada e até o roubo do patrimônio público. Segundo, que as mesmas imagens mostram como o objetivo dos manifestantes era tomar os palácios do poder naquele momento e forçar nossos governantes a abandonarem seus postos de trabalho. A Lei de crimes contra o Estado Democrático de Direito (sancionada, aliás, pelo próprio Bolsonaro em 2021) estabelece punição para tentativas mal-sucedidas de golpe de Estado, e não apenas para um golpe que é de fato levado a cabo..
Diante de tantas iniciativas golpistas, levantadas mais ou menos ao mesmo tempo, e todas intimamente ligadas ao núcleo mais restrito do bolsonarismo, restava apurar se o líder ideológico dessas pessoas era também o líder da ideia de golpe. Foi essa a investigação que, em novembro de 2024, a Polícia Federal entregou à PGR, informando ter encontrado evidências de que Bolsonaro estava completamente envolvido nessas conspirações e estratégias. E - mais grave ainda - que outros planos ainda mais radicais estavam em discussão, inclusive para - se possível - matar o presidente eleito, seus apoiadores e o próprio Alexandre de Moraes.
Ou seja, quando Bolsonaro reclamava - ali em 2021 - de perseguição, ilegalidade e censura por parte de Alexandre de Moraes, ele estava tentando antecipar um cenário que só passou a existir em 26 de março de 2025. Desde então, ele cumpriu um mandato presidencial e disputou outro (e perdeu), Braga Netto se tornou seu ministro-chefe da Casa Civil e candidato a vice-presidente (e perdeu) e Alexandre Ramagem disputou eleição para prefeito do Rio de Janeiro (e perdeu). Ele teve todas as chances de convencer a Justiça de seus pontos de vista, disputar eleições e, principalmente, não planejar golpes de estado. E falhou em todas elas.

A luta contra o STF:
O inimigo contra-ataca
É claro que, em um dia histórico como esse, os temas políticos saltaram para o topo das menções nas redes sociais e de pesquisa. Bolsonaro, como sempre acontece, liderando as interações (que incluem as positivas, neutras ou negativas), hashtags de ataque e a favor. Junto do réu, o STF também passou a liderar as buscas nas redes sociais. Algo que seria impensável, por exemplo, no início do século XXI, mas se torna cada vez mais comum nos últimos anos.
25 de março não foi a primeira vez que o Brasil parou para acompanhar um julgamento ao vivo na TV Justiça.
Momentos históricos atraem a atenção do Brasil. E já há um bom tempo os agentes da política e da mídia chamam para o ringue da disputa pública os 11 do Supremo, colocando nome, sobrenome e rosto na boca (nem sempre simpática) do povo. Quando Bolsonaro entendeu que quem mais tiravam seu sono eram essas pessoas, com amplos poderes de decisão, empossadas sem o voto popular e dispostas a impedir as pautas mais polêmicas do seu governo, ele decidiu que era hora de abandonar a luta permanente contra Lula e o PT e começar a jogar no colo do STF a culpa por todos os problemas e dificuldades do Brasil.
Os ataques ao STF funcionam por que estão sempre na pauta. E estão sempre na pauta por que funcionam. Antes mesmo de Bolsonaro vencer em 2018, seu filho, Eduardo, viralizava dizendo que "para fechar o STF só bastava um cabo e um soldado". Como os trâmites e processos do STF não são conhecidos do grande público, como os ministros são empossados por indicação, e não pelo voto, e pelas muitas possibilidades de autorizar ou barrar projetos de Lei, fica fácil desconstruir com a opinião pública a imagem do STF como um Tribunal de garantia da Constituição e da Democracia, substituindo-a como uma corte de "superpoderosos", "privilegiados" e "inimigos do povo". Enquanto um político precisa conquistar o coração de boa parte das pessoas, que, se bem cultivadas, se tornam apoiadores ferrenhos, um Ministro do STF só precisa convencer o presidente da república que o indicar e os senadores que o aprovam. Não é só que o STF não tem amplo apoio da opinião pública: os ministros não precisam dela para ter legitimidade.
É exatamente aí que Bolsonaro cativa seu público, com a promessa de que, se seus apoiadores gritarem bem alto, o STF vai ter que se calar. Talvez, no fundo, ele saiba que isso não é verdade. Que não é tão simples derrubar um ministro, ou denunciá-lo no exterior, apenas porque não gosta dele. Mas essa é mais uma vantagem de ser um especialista nas guerras híbridas da Era Digital: se você não tem como ganhar uma disputa política, então também não tem como perder. É só continuar alimentando infinitamente a narrativa de perseguição política, passando dos limites da liberdade de expressão para alegar censura, e comparecendo à sessão da Primeira Turma para recusar até mesmo uma garrafa d'água.
Então, não, na hora de debater sobre este (ou outro) caso, você não precisa partir em defesa do STF e dos ministros se não quiser. Na verdade, com tanta campanha contra, é até possível que as pessoas fechem os ouvidos para os ministros do STF.
Especialmente, um ministro que, em seu governo, conduziu algumas das investigações mais delicadas para ele, como o das Fake News, e presidiu o Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições de 2022: Alexandre de Moraes se tornou "carrasco" do bolsonarismo e "símbolo" do STF. Nos discursos de Bolsonaro e sua turma, este nome se tornou cada vez mais frequente. E pela internet, 'Xandão' passou a ficar cada vez mais em alta, para todos os lados da política.
Como falar sobre
Bolsonaro
virar réu:
Um guia rápido de comunicação efetiva para esse assunto no calor do momento.
Em 2018, Bolsonaro disse em uma entrevista: "eu também sou réu no Supremo, e daí?". De fato, não é a primeira vez que ele é julgado pelos 11 do STF. Na época, a acusação era de incitação ao estupro, pelo episódio em que disse a Maria do Rosário que ela "não merecia" ser estuprada apenas por ser "muito feia". Acabou absolvido dessa acusação. Mas, a pergunta feita há 7 anos ainda vale agora. Afinal, tem muita gente por aí sabendo só mais ou menos do que acusam Bolsonaro. Alguns acham um abuso, outros uma perseguição, e há os que acham que só não devem se importar com o assunto. Mas a verdade que os documentos comprovam é de que estivemos muito mais próximos de perder a nossa democracia do que imaginávamos.
Além disso, fatores como a difusão das ideias bolsonaristas nas forças armadas, a luta por uma anistia irrestrita aos golpistas (mesmo antes de julgamentos ou condenações) e a recusa de metade dos presos em 8 de janeiro por um acordo para saírem dos presídios, nos mostram que o perigo não está tão no passado quanto imaginávamos. Por isso, mais do que acompanhar o julgamento como uma história de final previsível, é importante que a gente aproveite os momentos em que este assunto está em alta para mostrar às pessoas os perigos que corremos no passado, e que talvez ainda voltem amanhã. É por isso, por exemplo, que parentes de mortos e torturados pela ditadura militar, como Stuart Angel e Vladimir Herzog, enfrentaram Bolsonaro de frente e também acompanharam a sessão no STF.
Ou, nas palavras do ministro Flávio Dino: "No dia 1º de abril de 1964 também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”.
Aqui estão algumas dicas para você falar com propriedade do julgamento de Jair Bolsonaro:
1. Celebre, mas com moderação:
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Cada avanço dessa investigação é uma conquista da democracia, mas boa parte da população não está esclarecida nem convencida disso. Compartilhe sua comemoração nos seus grupos de amigos ou nos stories do Instagram. Mas para conversar com as pessoas que não são progressistas, prefira uma outra abordagem.
2. Explicar e convencer é mais importante do que saber nos detalhes:
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Entender e explicar a gravidade do plano de golpe é mais importante do que conhecer os detalhes e minúcias do processo. A peça de acusação tem tantas páginas que até mesmo a defesa reclamou que eram evidências demais. O importante é mostrar que existia uma série de planos bem articulados e encaminhados nos últimos anos, e que essas pessoas tentariam tudo o que fosse possível para tomar à força o poder que não conquistaram no voto.
3. "Perdeu, mané!" não é "perderam, manés!":
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Esse é o momento de separar o povo do bolsonarismo. Revanchismo e provocações pessoais só alimentam o ódio e empurram as pessoas para a extrema-direita. É hora de mostrar que Bolsonaro e os seus apoiadores tinham um plano pessoal de poder, e arrastaram milhares de pessoas para sua bagunça. Mesmo que você tenha alguém na sua família que tenha apoiado o atentado, os acampamentos ou até mesmo o golpe, essa pessoa não é o inimigo. O inimigo é quem arrastou essas pessoas para perto de si por um plano de poder pessoal.
4. Ministro não rende "corte":
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Na era dos vídeos curtos nas redes sociais, uma série de vídeos diretos, dinâmicos e até impactantes dos votos dos ministros viralizaram nas redes sociais. Mas, de novo, enquanto para muitos de nós eles são elucidativos, para boa parte das pessoas eles afastam. Enquanto há uma crise de confiança das pessoas no STF, há uma ascensão da confiança em pessoas próximas e conhecidas. Recontar as narrativas que os juízes apresentaram na sessão pode ser mais efetivo do que reproduzir cortes de figuras que boa parte das pessoas rejeitam.
5. Bolsonaro não é herói por comparecer à sessão do STF:
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Ao invés de atacá-lo por estar no tribunal, que era direito dele, compare as denúncias de perseguição e censura levantadas por Bolsonaro e seus apoiadores com as imagens recentes do ex-presidente: viajando, passeando de lancha, dando entrevistas em podcasts. Aliás, esqueça o STF. Não é o Tribunal, nem seus ministros, que estão em julgamento. E uma "disputa de popularidade" entre Moraes e Bolsonaro é tudo o que o ex-presidente quer.
6. Fale do perigo que um golpe podia representar:
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A narrativa da direita insiste que eram pessoas desarmadas e despreparadas, o que dá a alguns a sensação de que um golpe não seria um problema tão grave. Mostrar as consequências imprevisíveis de uma tomada de poder é um bom caminho. Comparar tudo que Bolsonaro fez de ruim na presidência, quando era limitado pela Constituição, com tudo que ele poderia fazer sem esse limite pode ser um caminho seguro.