
CRIMINALIZAÇÃO
DA MACONHA
Os melhores caminhos para conversar (até com conservadores) sobre o tema
Uma ameaça a grupos minorizados
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023, que busca constitucionalizar a criminalização da posse e do porte de drogas para uso pessoal, está prestes a ser votada. Proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sua aprovação poderá elevar drasticamente o número de encarceramentos, afetando desproporcionalmente as comunidades pobres, negras e periféricas.
Para esse episódio do Como Falar Sobre, o assunto é Criminalização da Maconha. Conversamos com homens de meia-idade, com ensino superior completo, de classes sociais altas - buscando espelhar o perfil demográfico do Senado brasileiro - para entendermos quais argumentos funcionam para convencê-los de que essa PEC é mau negócio para a sociedade brasileira.

NOSSOS RESULTADOS
1. Drogas, bah!
A mera menção a drogas desencadeia imediatamente imagens negativas: criminalidade, prisões lotadas, violência, áreas degradadas como a Cracolândia, além da associação à destruição de lares e à decadência social causada pelo seu uso. A experiência pessoal com o impacto do consumo de drogas em familiares ou amigos é um ponto de convergência entre diferentes espectros políticos, destacando a desestruturação familiar como uma consequência direta.
2. Maconha (ou Cannabis): Uma Aceitação Crescente
Apesar do preconceito, a maconha começa a ser distinguida de drogas consideradas mais pesadas. Essa percepção varia, com alguns vendo-a como menos nociva e outros como um passo inicial para dependências mais graves. A figura do usuário de maconha é cercada de estereótipos negativos (como preguiçoso, lerdo, lesado, etc), mas que não chegam perto do imaginário que relacionamos a um criminoso.
Além disso, a Cannabis medicinal, amplamente conhecida por ser a solução em casos muito complicados, trouxe um apelo sentimental para a questão, pois todos que ouvimos conheciam alguém que utilizou Cannabis e obteve melhoras significativas.
3. Legalização ou Descriminalização? Entendendo a Diferença
A confusão entre legalização e descriminalização é comum. Argumentos a favor da legalização frequentemente citam a regulamentação, o potencial de arrecadação tributária e também a possível redução do tráfico ilegal, mas há preocupações quanto ao impacto na sociedade, especialmente o consumo em locais públicos e sua acessibilidade a crianças.
Já quando falamos especificamente sobre descriminalização, as pessoas se retraem um pouco, pois entendem que o usuário estará obrigatoriamente estimulando o tráfico de drogas - é o argumento Capitão Nascimento. Não é imediata a possibilidade de um usuário ter sua plantação própria em casa.
4. O principal problema da criminalização é o encarceramento em massa!
A preocupação com o encarceramento em massa transcende ideologias, com muitos vendo as prisões como locais onde pequenos delitos se transformam em carreiras criminosas. A prisão de jovens por posse de pequenas quantidades de maconha é vista como contraproducente, aumentando o custo para a sociedade e não só falhando em resolver o problema de base, como também piorando-o.
Inclusive, “universidade do crime” foi uma das expressões mais usadas entre os participantes para se referirem às prisões.
5. É preciso diferenciar usuário de traficante
A importância de distinguir claramente usuários de traficantes é um consenso. Enquanto a penalização de usuários é vista como uma ferramenta de conscientização — possivelmente envolvendo tratamento — a prisão é amplamente rejeitada como solução, não contribuindo efetivamente para o combate ao tráfico.
6. O policial não pode ser o juiz
Conforme sugere a PEC 45/2023, a responsabilidade de enquadrar o indivíduo como usuário ou criminoso seria do policial que efetuou o flagrante.
Porém, os públicos concordam que a decisão sobre quem é usuário e quem é traficante não pode ser deixada exclusivamente a critério da polícia no momento da abordagem, evidenciando a necessidade de critérios objetivos e claros para evitar decisões arbitrárias e abusos de autoridade.
A frase que mais ouvimos foi “o trabalho do policial não é o de um juiz”, não com o intuito de desqualificar a Polícia, mas de colocar limites na atuação de cada profissional.
7. É preciso um critério objetivo que diferencie
A necessidade de estabelecer critérios objetivos para a diferenciação é unânime, visando minimizar julgamentos subjetivos e garantir uma abordagem mais justa e equitativa. Isso significa a criação de uma legislação que descreva valores exatos de quantidades que diferenciem usuário de traficante.
8. Disparidades de Tratamento: Raça e Classe
A polícia e o judiciário no Brasil não tratam a todos de forma igual, isto é um consenso entre todos os perfis que conversamos. Há conservadores que vão dizer que não é uma questão de raça, mas sim de classe.
No entanto, a ideia de que a abordagem é sim diferenciada a depender dos indivíduos enquadrados esteve presente em todos os grupos. Muitos citaram o caso do homem do Porsche, que matou um motorista de aplicativo em 31/03/24 e conseguiu evadir do local quando policiais já estavam presentes. Nessa situação foi apontada a diferença de classe, mas apenas a existência dessa disparidade (não importando em qual âmbito) já é suficiente para gerar uma dúvida quanto à lisura da conduta de alguns (não todos) policiais.
9. A prioridade é a saúde pública
Existe um consenso sobre o tratamento do problema das drogas como uma questão prioritariamente de saúde pública, necessitando da atuação de profissionais qualificados e de uma abordagem multidisciplinar, embora haja ressalvas quanto ao risco de banalizar o consumo.
Dessa forma, uma legislação que criminaliza e não sugere soluções práticas para o problema (apenas aumenta a questão do encarceramento em massa) não é bem vista.
Recomendações
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A expressão "uso recreativo" pode diminuir a seriedade da questão. Caso queira diferenciar as possibilidades de uso, diga “uso adulto”, por exemplo.
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Evite fazer comparações com casos internacionais de legalização/descriminalização, pois o contexto brasileiro possui suas particularidades. Isso é muito importante, pois existem tanto referências positivas quanto negativas no cenário internacional, então atente-se apenas aos aspectos brasileiros que são relevantes, como a desigualdade racial/social, encarceramento em massa, etc.
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Evite basear seus argumentos unicamente em declarações de "especialistas", que podem ser percebidos como distantes da realidade das pessoas comuns. É mais interessante optar pelo caminho sentimental, das pessoas que são usuárias de Cannabis medicinal e serão afetadas ou dos jovens que serão presos pelo porte de um único baseado.
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Destaque estatísticas sobre o número de pessoas presas no Brasil por porte de quantidades insignificantes, evidenciando o desperdício de recursos públicos e os impactos sociais e familiares negativos dessa abordagem.
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Campanha de pressão à senadores para que votem contra a PEC 45/23 no Senado. Cada assinatua equivale a um email sendo disparado para cada senador que pode fazer a diferença! Acesse https://usuarionaoecriminoso.org/
Metodologia
Foram realizados 04 grupos de discussão on-line, nos dias 01 e 02 de abril, com homens de 40 a 60 anos das classes AB, moradores de São Paulo e Recife que se autodeclaram interessados por política a ponto de buscar ativamente informações sobre esse tema. Todos eles tem pelo menos ensino superior incompleto, e em todos os grupos tinham pessoas de diferentes religiões, composição familiar e etnia.
Os grupos foram organizados a partir da autodeclaração sobre orientação política, divididos da seguinte forma:
02 grupos de pessoas que votaram em Bolsonaro, sendo:
01 grupo com homens que são mais favoráveis à descriminalização da maconha;
01 grupo com homens que são menos favoráveis à descriminalização da maconha.
02 grupos de pessoas que votaram em Lula em 2022, sendo:
01 grupo com homens que são mais favoráveis à descriminalização da maconha;
01 grupo com homens que são menos favoráveis à descriminalização da maconha